Devaneios de um banho

por cesargatto

banho2

Entrou no chuveiro e fechou o box de vidro. Girou o registro e esperou alguns segundos até a água esquentar. Entrou aos poucos, colocando as mãos primeiro, depois, o corpo inteiro. A água estava morna, do jeito que ele queria. Estendeu sua mão até alcançar aquele produto de passar no cabelo.
“Bem que os fabricantes deveriam escrever ‘Shampoo’ com uma letra mais graúda, mal consigo enxergar esse trem. ‘Mente aberta não entra mosca.’ Nossa! Que ideia legal! Preciso anotar no meu caderno de anotações para não esquecer. Mas aquele cara é muito folgado, eu emprestei meu livro e ele nem me devolveu. Eu preciso avisá-lo, mas que mania que eu tenho de deixar tudo pra depois. Se bobear, tem um pedaço de pizza na geladeira. Meu Deus, faça com que aquele pedaço ainda esteja lá! Eu devia ter respondido de tal maneira naquele dia, as boas ideias só chegam atrasadas, bem depois que já passou, agora não tem mais jeito, fazer o que né? Falou, tá falado. Hunf. Será que se eu conseguir prender minha respiração por uns dez minutos eu morro? Será que ela pensa em mim assim como eu penso nela? A expectativa diz que sim, porém a frustração alerta que não. Que sorte que o busão tava vazio hoje, deu pra ler algumas páginas daquela história. Como será que é o final? Tô torcendo para o protagonista morrer e o autor conseguir derramar lágrimas em meus olhos. Será que Deus existe? O que eu estou fazendo aqui? Hã? Hein? Por que meu chefe falou comigo daquele jeito hoje? Eu gosto dele, mas… sei lá, no happy hour ele é legal. Caraca! O universo é grande demais, acho que é infinito, assim como a mente humana. Deve ser maior legal ser astronauta. Já pensou estar na lua e enxergar a Terra lá de cima? Ao vivo deve ser bem mais legal do que ver imagens e vídeos pela internet.
A plateia está agitada, pulando e acompanhando meus movimentos, eu tô no palco, eu grito no microfone, eles acompanham. Todos estão eufóricos, fazendo ‘bate-cabeça’, despreocupados com os problemas e vivendo o presente…”

Com a mão fechada, ele a aproximava até sua boca e cantava freneticamente como se não houvesse amanhã, até perceber que o banho já estava no fim. Desligou o chuveiro, se secou com a toalha, vestiu-se e foi direto comer aquele bendito pedaço de pizza. Só que ao abrir a geladeira, a pizza já tinha sido devorada por alguém que também morava naquela residência. Xingou alto por dentro e por fora e foi fumar um cigarro para desestressar.
Eis que o segundo round de devaneios veio à tona, também conhecido como ‘Devaneios de um fumante’.