Tudo embaçado

por cesargatto

Eu estava cansado. Ainda era terça-feira. E chovia muito.
Dentro do ônibus as janelas se fecham quando chove. Mesmo se lotado. Ninguém quer se molhar, até fazendo muito calor. E tudo fica embaçado. E abafado. E o cheiro é ruim. E o calor é humano. Meu celular estava sem bateria e meu livro tinha esquecido em casa.
Eu observava o povo voltando do trabalho e conseguia sentir o seu cansaço. A energia dentro de um ônibus às 18h é de puro esgotamento. Acredito que o tempo diário gasto no transporte público, por mais que seja menor que o do expediente, é ainda mais cansativo, principalmente para as pessoas que moram na periferia. Ficar pelo menos três horas diárias em pé nas condições acima citadas é realmente pagar um pecado.
Algumas pessoas ainda tentavam tirar um cochilo no trajeto, outras se entretiam no celular. Poucas conversavam. Eu só pensava em chegar em casa antes de escurecer completamente. E não faltava muito. As músicas tocadas pelos fones em meus ouvidos eram imperceptíveis e pareciam ruídos que eram ofuscados pelo caos do horário de pico.
Em certo momento comecei a lamentar esse desperdício de existência. Uma vida baseada em muita labuta e pouco descanso, para, no final das contas, padecer sem recurso e sem saber qual o sentido disso tudo.
Imediatamente resolvi mudar o foco porque poderia ser pior. E comecei a pensar pelo lado positivo: pelo menos eu estava sentado.